Pericias > Pericias Psicologicas 7 - Os pecados mortais

Lendo tudo o que  publico neste site sobre as Perícias Psicológicas, (e muito mais se poderia publicar)  não me parece que haja outra conclusão a tirar a não ser a de que estas Perícias constituiem uma das peças mais nefastas e perversas do Processo Casa Pia. Fica aqui um resumo dos vários PECADOS MORTAIS cometidos e para os quais nãos encontro absolvição nem penitência.

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Afirmações da psicóloga Alexandra Anciães, que realizou as Perícias Psicológicas, à juiza de Instrução Ana Teixeira e Silva, durante o Debate Instrutório:


 

E em Tribunal:

Alexandra Anciães - Não foi seguido neste caso, não por renúncia da nossa parte, mas porque aquilo que me foi dito a mim é que nós não poderíamos ter acesso a nenhuma peça processual, por questões... eu penso que decorrentes da própria investigação, do próprio inquérito que estava a haver na altura, e portanto... ou seja, seria por essa questão que nós não poderíamos ter acesso.

Isso foi aquilo que me foi informado pelo meu Director de Serviço. Nós não poderíamos ter, neste caso, acesso às peças processuais.

Por outro lado, outra das questões que também não tivemos acesso foi às famílias dos sujeitos, ou mesmo aos outros relatórios sociais, porque esses geralmente estão integrados no processo... mas há as questões da família...


Este dado é só por si suficiente para pôr em causas todas as perícias.


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Ninguém competente no campo da Psicologia Forense pode fazer perícias  válidas com estas limitações. A afirmação não é minha: basta consultar os manuais, os artigos, os livros sobre a matéria publicados em todo o mundo.

E uma das razões é que:  desde que haja alguma contradição entre o que uma pessoa diz à Investigação e o que afirma ao perito para se pôr imediatamente a hipótese de que está a mentir.

Isto é o que afirmam todos os cientistas mundiais no âmbito da perícias psicológicas forenses. Desde o início, a Drª Alexandra Anciães não podia fazer as perícias que fez. Não teve acesso a  elementos, dados e documentos fundamentais para o fazer. Que lhe foram negados!


PORQUÊ?

Não me pode ser negado o direito de admitir, como possível, que foram negadas todas as informações à perita, para prevenir exactamente a hipótese de ela descobrir que tudo era mentira. Não o afirmo! Mas tenho que admitir como provável! É mais legítima esta minha afirmação do que o são as conclusões das perícias.

 

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Todos os manuais internacionais que consultei, toda a literatura a que tive acesso, são claros em dois pontos:

1-As entrevistas (pela polícia ou por peritos) devem ser gravadas em vídeo ou áudio

Ou, no mínimo,

2-O relato das declarações do indivíduo sujeito à perícia, deve ser transcrito na sua totalidade (verbatim é o termo usado).

Ora, nestas perícias "à portuguesa" o primeiro ponto foi pura e simplesmente ignorado. Quanto ao segundo, a Drª Alexandra Anciães, remeteu-se a transcrever excertos das declarações das vítimas, escolhidos por si, de acordo (segundo ela declarou em Tribunal),  com os apontamentos que tirou.

Qual o critério da escolha desses excertos? Que grau de subjectividade esteve presente na sua escolha? Escolheu os que confirmariam a tese da Acusação? Porque escolheu umas partes e ignorou outras? Detectou mentiras nas outras? Ou as outras é que eram a Verdade? Como pode defender um ou outro critério? Com que base científica, uma vez que a legis artis recomenda a transcrição total e rigorosa de tudo?


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O Prof Pio Abreu, valor incontornável da Psiquiatria em Portugal e de méritos reconhecidos internacionalmente, analisou as perícias da Dª Alexandra Anciães. Eis as suas conclusões, que se encontram no processo:

"Fosse qual fosse a razão, a peritagem revela incompetência e parcialidade pelas seguintes razões:

a)  Renunciou a qualquer fonte externa, incluindo consulta dos autos do processo, entrevista com familiares ou outras pessoas, ou ainda consulta de processos individuais e outros documentos, que pudessem suportar ou pôr em causa as versões directamente transmitidas pelas testemunhas.

b) Como consequência, errou ao descrever dados factuais dos antecedentes familiares, erro esse que logo se detectou à primeira e breve confrontação com os processos individuais. Por maioria de razão, os dados transmitidos pelas testemunhas sobre as ocorrências relevantes, poderão ser incorrectos.

c) Deu proeminência ao relato acusatório dos examinandos, de uma forma inusitada, sem cuidar de esclarecer, confrontar, nem pesquisar as circunstâncias envolventes.

d)  Omitiu selectivamente a descrição de aspectos menos abonatórios, mesmo que os entrevistados lhe tivessem dado as "deixas". Em consequência ocorreram lapsos de compreensão nos relatórios.

e)  Nunca investigou as fontes da memória, mesmo em situações datadas de há dois anos ou mais, e em que a memorização tivesse sido ajudada por fotografias, conversas ou outros meios.

f)  Desprezou a dinâmica familiar e dinâmica da interacção entre pares, resultando lapsos de compreensão no entendimento da evolução e personalidade dos jovens.

g)  Nunca procurou a motivação para as denúncias, limitando-se antes a perguntar porque não falaram mais cedo, como se a motivação fosse uniforme e obrigatória.

h)  Não investigou as eventuais interferências sobre as testemunhas, nomeadamente de jornalistas e outros.

i)   Desprezou completamente as interacções, actuais e antigas, com a polícia.

j)   Não estudou a sugestionabilidade interrogativa, pelo contrário, desprezou os factores de sugestionabilidade, que lhe apareceram nos testes.

k)  Fez um exame psicopatológico pobre e que fica muito aquém do que revelaram os testes.

l)   Desprezou completamente a possível ingestão de drogas, nomeadamente psicofármacos que interferem com a memória.

m)  Apresentou conclusões idênticas (copiadas umas das outras) na maioria dos relatórios, apesar da variabilidade dos casos no que respeita aos antecedentes, exames directos, testes e discussão.

4. Entre os problemas detectados ao confrontar os autos de inquirição de testemunhas, entre si e com os relatórios policiais, problemas esses que levaram à situação presente, podemos apontar:

a) A existência de entrevistas repetidas, a partir das quais se podem suspeitar influências sugestivas ou persuasivas, mesmo inadvertidas, mas cuja prova será impossível de fazer pela inexistência de registos video-gravados das inquirições.

b) O completo desprezo pelo apuramento das motivações dos jovens que, salvo raras excepções, e mesmo assim duvidosas, não se apresentaram espontaneamente à inquirição com a motivação decorrente dos abusos de que foram alvo.

c) A inexistência de uma palavra ou preocupação com as influências mediáticas, e seus efeitos na opinião pública e individual, embora elas perpassem em todo o processo e sejam mesmo introduzidas pela investigação.

d) A aceitação de "memórias recuperadas" como se elas fossem genuínas.

e) A sincronização (e por vezes competição) dos discursos, entre si ou através de terceiros, de modo a que se encontrasse uma história colectiva para contar"

  

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Já o Dr. Santos Costa, outro eminente Psiquiatra da Universidade de Coimbra, declarou em Tribunal:

Dr. Ricardo Sá Fernandes - (...) E a pergunta que eu ponho ao Dr. é a seguinte: - se é pedida uma avaliação a pessoas que inclusive até neste caso, pretende verificar da fiabilidade de relatos, se era importante ou não ter conhecimento de todos estes antecedentes?

Dr. Santos Costa - Dr. eu diria que era fundamental.

Dr. Ricardo Sá Fernandes - Sem isso, não é possível averiguar...

Dr. Santos Costa - Fundamental... se quiser, obrigatório. São essas perícias... até mesmo por essa complexidade, e a perícia em si qualquer que seja a área de direito em que estejamos a participar ou a actuar, ou a intervir do ponto de vista pericial, naturalmente que a perícia é um puzzle. É um puzzle onde as várias peças têm que encaixar e portanto, temos que perceber esse conjunto de informações, esse conjunto de passos ou de peças, de modo a podermos concluir com esses cuidados conclusivos que eu digo, mas sobretudo discutir. Há um capítulo obrigatório em qualquer perícia médico-legal, e também neste caso, da perícia psiquiátrica... que é o capítulo da discussão. É fundamental discutirmos, e temos que discutir alguns dos elementos que se consigam reunir... e a reunião desses elementos é que nos permite estar à vontade, porque é em sede de discussão que nós preparamos as próprias conclusões. E o que encontramos, é que de facto estes dados não são discutidos

 

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Mas se estas opiniões dos dois eminentes professores portugueses não chegassem, também o Colégio Português de Psiquiatria se pronunciou e proferiu um parecer que foi entregue à Juíza de Instrução Ana Teixeira e Silva.


O JORNAL DE NOTICIAS de 1 de Maio de 2004 resume esse parecer de forma claríssima:

 

"Colégio de Psiquiatria enviou parecer à juíza Ana Teixeira e Silva que "arrasa" perícias a jovens

Casa Pia - Colégio de Psiquiatria defende que testes aplicados às alegadas vítimas só são úteis num contexto clínico e terapêutico. Ordem dos advogados lamenta inexperiência dos peritos

Perícias não podem avaliar se alguém fala verdade

Os testes aplicados pela psicóloga Alexandra Ansiães, do Instituto de Medicina Legal de Lisboa, destinados a avaliar a credibilidade das alegadas vítimas do processo de pedofilia na Casa Pia apenas "são úteis num contexto clínico e terapêutico". Essa é a principal conclusão do parecer, aprovado por unanimidade pelo Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, que foi enviado, anteontem, à juíza Ana Teixeira e Silva acerca "da aptidão dos testes utilizados nas perícias à personalidade das testemunhas com o fim de atestar se tais pessoas falam ou não verdade quanto à identificação que fazem das pessoas que supostamente delas abusaram".


Composto por oito psiquiatras, o Colégio vai mais longe e afirma que os testes "não têm potencialidades ou validade para atestar se determinada pessoa fala ou não verdade quanto à identificação que faz das pessoas que supostamente dela abusaram", como Alexandra Ansiães defendeu em vários dos seus relatórios.


"Não existem testes psicológicos que permitam predizer o grau de adequação da identificação de alguém relativamente à sua identidade. Ou seja, não é possível comprovar através de testes psicológicos de inteligência e/ou personalidade, se a evocação ou relato de um evento é fidedigna e/ou verídica, no seu todo ou em alguma das suas partes", lê-se no documento a que o JN teve acesso. Nos relatórios que serviram para Rui Teixeira sustentar as prisões preventivas de vários arguidos, Alexandra Ansiães fez questão de sublinhar que não há qualquer método validado cientificamente que permita afirmar a completa veracidade de um relato ou de um testemunho. Porém, a perita acaba quase todos os relatórios dizendo que é forçada a admitir a veracidade global dos relatos, porque os jovens não apresentam patologias graves ou perturbação de personalidade


 

Uma teoria rebatida pelo Colégio de Psiquiatria: "A ausência de patologia ou a evidência de declarações inconsistentes não autoriza nunca o perito a pronunciar-se pela veracidade das mesmas. Uma testemunha saudável e inteligente, até sofrendo de perturbação emocional decorrente de abusos realmente sofridos, pode, ainda assim, estar confundida por qualquer motivo e não há método de o demonstrar."


E o parecer remata: "Mesmo que a convicção do perito vá no sentido de acreditar que globalmente o relato e verdadeiro, deve abster-se de o enunciar."

Autor: Carlos Tomás e Tânia Laranjo

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Já em relação às chamadas "Segundas Perícias" feitas em 2008, cinco anos depois das primeiras, também qualquer cientista detectará os seguintes erros cometidos:

-Falta de entrevista estruturada ou semi-estruturada.

-Ausência de discussão de resultados

-Falta de conhecimento de antecedentes dos examinados.

-Incongruências inexplicáveis relativamente a dados objectivos das anteriores perícias.

-Falta de validação dos testes realizados.

-Inadequação do teste Millon.

 

Isto é, e apesar da finalidade destas perícias ter sido desvirtuada pelo Tribunal (limitou-se a perguntar o óbvio: se os rapazes tinham capacidade para testemunhar, esquecendo-se que, quem tem capacidade para testemunhar, tem capacidade para dizer a verdade ou mentir), apesar disso, repetiram-se os mesmos erros e cometeram-se outros.

 

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Depois disto tudo, que é apenas uma parte do que se pode dizer sobre Perícias, apetece-me apenas fazer uma pergunta:

OS PERSONAGENS DESTES EPISÓDIOS TODOS DORMEM DE CONSCIÊNCIA TRANQUILA?