Pericias > Pericias Psicologicas 3 - A perita: como e o que fez

ESTADO DA CIÊNCIA

As memórias são influenciadas por pessoas de confiança (em crianças, adolescentes ou adultos), especialmente pai e mãe, cuidadores, educadores, terapeutas, entre outras pessoas com quem tenham relações afectivas significativas e, pessoas aquem seja atribuída autoridade (por exemplo polícias, juízes, alguns professores, etc). Por estes motivos, médicos, psiquiatras e psicólogos devem manter-se neutrais, sem juízos de valor e empáticos para com a pessoa que relata acontecimentos de abuso sexual (American Psychiatric Association, 2003) - cfr. Amaral Dias no parecer junto aos autos.

A ausência de patologia ou da evidência de declarações inconsistentes não autoriza nunca o perito a pronunciar-se pela veracidade das mesmas. Mesmo que a convicção formada pelo perito, no decurso da sua actividade específica, vá no sentido de acreditar que, globalmente, um relato é verdadeiro, o mesmo perito deve abster-se de o enunciar pois, para além de não dispôr de qualquer método que permita objectivamente demonstrá-lo, o mesmo não decorre directa e fundamentadamente da sua competência científica ou profissional e, até, porque se estaria a substituir ao juízo próprio do tribunal, construído sobre todos os factos apurados, testemunhos e outros elementos de prova produzidos - cfr. parecer do Colégio Português de Psiquiatria junto aos autos.

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O não actuar tendo em conta estas exigências da ciência, ou é incompetente, ou desonesto ou (se estiver de boa fé) ignorância Não podemos deixar em roda livre as asneiras de pessoas empossadas de determinado poder só porque lhes foi atribuído esse poder. E muito menos quando estamos a lidar com processos que decidem a vida de uma ou mais pessoas.

A documentação que se segue é confrangedora. Arrisco mesmo afirmar que é ASSUSTADORA!

Num processo com esta dimensão, com este mediatismo, com esta responsabilidade criminal e social, a Acusação, protegida pelo monopólio do Instituto de Medicinal Lega para realizar  perícias, que lhe é atribuído pelo Código do Processo Penal, cometeu o "crime" de "pactuar" com o IML a realização das perícias psicológicas por uma jovem psicóloga avençada, numa quantidade e com prazos que, desde o início, apontavam para a impossibilidade de um trabalho científico sério.

Pela sua experiência, pela posição profissional que ocupava, pela falta de meios e pelo pouco tempo concedido a Drª Alexandra Anciães jamais poderia ter sido responsável pelas perícias.

Após as perícias realizadas, e os pareceres emitidos, a Dr.ª Anciães entrou nos quadros do INML. Propositadamente? Não sei! Mas que é suspeito... é. Entre outras situações similares, lembra-me a escolha do Juiz Rui Teixeira que, de acordo com a lei não era o Juiz natural do Processo e que na noite de 31 de Janeiro para 1 de Fevereiro de 2003 decretou a minha prisão preventiva!

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Logo na fase de Instrução, ficou bem clara a posição da Drª Alexandra Anciães. Perante a juíza Ana Teixeira e Silva declarou:

 

Portanto, teve que fazer um trabalho que nunca tinha feito e numa área que nem existia em Portugal. (E hoje?) Num processo desta importância e desta gravidade.


 

Bateria de testes, exame psiquiátrico e outras informações objectivas; detectar discrepâncias entre as declarações no inquérito e na perícia (FUNDAMENTAL!); falta de registo em áudio ou vídeo; transcrições parciais das declarações!

Isto é uma listagem assustadora de tudo o que não foi feito e era obrigatório fazer.


Pois mesmo nestas condições, a perita atreveu-se a tirar conclusões homologando a VERACIDADE dos relatos dos examinados por ela. Quádruplo erro: poucos testes, falta de comparação com declarações nos autos, transcrição parcial, uso do termo VERACIDADE!!!

E qual o critério das transcrições parciais? Que grau de subjectividade na escolha desses "bocados" das declarações? Que importância teria o que foi omitido? O que é que a perita "escondeu" ou "apagou"? Que possibilidade tem uma defesa de analisar as declarações a não ser aceitar o que a perita "escolheu"?


 

Ora aqui está uma confissão honesta. E mais uma razão para não escrever relatos parciais. Era fundamental comparar com o que tinha sido dito na PJ e descobrir se tinha ou não havido contaminação, histórias construídas sob influência de perguntas, etc., etc., etc. Todo a comunidade científica mundial sabe que é assim. Só Francisco Guerra, por exemplo foi ouvido 17 vezes! E, a propósito, vejamos o que disse a perita em julgamento, respondendo ao Ministério Público:

"Depois, o Francisco acaba por fazer então o relato dos factos na última sessão, mas faz o relato dos factos de uma forma "a despachar", ou seja... "Eu sei que tenho que dizer isto, então aquilo que aconteceu foi isto, isto, isto e isto..."; assim, não de uma forma natural, como quem faz... como os outros jovens, por exemplo, mas de uma forma que queria quase desembaraçar-se daquilo, pôr cá para fora, assim de uma forma repentina.


Eu lembro-me, por exemplo, em relação aos alegados abusadores - e eu perguntei-lhe se ele sabia quem era, porque ele não falava sobre isso... eu perguntei-lhe se ele reconhecia, se sabia quem eram - ele diz: "foi este, este, este e este...!", tal e qual desta forma que eu estou a dizer. Não houve alguma reflexão da parte dele, não foi ponderado... Enquanto que os outros pensavam... elaboravam... digamos que faziam um relato de uma forma elaborada, o Francisco não; o Francisco queria meramente despachar-se daquilo..."


Ministério Público: Sra. Dra., face ao que está a dizer é lícito concluir que o Francisco teria dito qualquer coisa para se ver livre daquilo?

Alexandra Anciães: Pode ter dito coisas para se ver livre daquilo, pode.

***

A Drª Alexandra Anciães, já no Debate Instrutório, não conseguiu ocultar algumas fragilidades. Poucas, mas suficientes para, pura e simplesmente, se poder afirmar que as Perícias Psicológicas deste Processo são uma mistificação, uma nulidade, um exemplo dramático de como não se fazem perícias. Incompetência? Encomenda? Ignorância? Má-fé? - Não sei.

Erradas? Sem, qualquer valor científico? Sem valor probatório? - Sem dúvida.

 

A Comunicação Social não entendeu assim: engoliu o que lhe deram e mastigou tudo para depois cuspir sobre a opinião pública a ideia [falsa] de que as perícias atestavam a verdade (veracidade) dos testemunhos. O que a própria perita vem a desmentir em Julgamento, no Tribunal, como veremos.

***

Durante o Julgamento, o erro, a asneira, a mistificação, a falsidade acabaram por ficar completamente evidentes: por honestidade (finalmente) ou por não poder fugir à verdade, a Dr.ª Alexandra Anciães, retratou-se bastante.

Ao Ministério Público deu, entre outras, as seguintes respostas:

 

-"Portanto, o Prof. Mendes Pedro ficou com os jovens com menos de 16 anos, e eu fiquei com os jovens para cima de 16 anos, inclusive"


-"Primeiro, houve logo um pedido de urgência feito pelo DIAP. Portanto, pelo menos aquilo que me foi transmitido a mim é que eu teria um espaço muito limitado de tempo, nomeadamente cerca de um mês e meio, para fazer as perícias que tinham sido solicitadas. E isso levou a que tivesse que desenvolver de alguma forma algumas estratégias, porque era quase impensável fazê-lo neste espaço de tempo."


-"Depois também a questão da uniformização metodológica também teve a ver com a indisponibilidade de instrumentos no IML. Ou seja, o IML até à data - portanto, até à data das avaliações - trabalhava quase exclusivamente com adultos e portanto, embora existissem instrumentos para crianças... eram crianças mais pequenas, não havia ninguém na altura que trabalhasse com eles... não havia, digamos, instrumentos de avaliação dirigidos especificamente a esta... a este grupo. Portanto, ou seja, para dar um exemplo, foi utilizado o MMPI... E depois se calhar podemos entrar mais nessas questões mais específicas... Foi utilizado o MMPI; poderia eventualmente, se fosse hoje, ter sido utilizada a versão para adolescentes que já existe." (Nota: não foram utilizados os testes adequados)

 

-"Sim, aquilo que se averiguou, depois no contexto da entrevista, é que a denúncia nunca partiu dos miúdos. (Nota: foram então escolhidos...!) Portanto, os miúdos não denunciaram voluntariamente a situação, ou seja, não foram num momento qualquer das suas vidas dirigir-se à Polícia, ao MP ou a alguém para fazer a denúncia".


-"Depois, a maior parte dos sujeitos, como eu já referi, não sabiam àquilo que iam.  Eram muitas vezes retirados pela Polícia Judiciária da cama de manhã - porque foram sempre levados pela Polícia Judiciária, pelo menos que eu tenha tido conhecimento - eram retirados, por exemplo, de manhã da cama, apareciam-me muitas vezes sem pequeno-almoço ou sem almoço... (Conviria ter os jovens fragilizados para "confessarem" tudo? Não era PIDE que fazia isso aos cidadãos?) Portanto, imaginem o que é que é nós começarmos entrevistas às 9 da manhã e as crianças ou os jovens não terem tomado o pequeno-almoço... muitas vezes era necessário ali fazermos uma pausa para que os sujeitos fossem tomar o pequeno-almoço ou para almoçarem, para comerem qualquer coisa... Depois também o facto de ou não serem avisados das perícias em concreto, daquilo que iam fazer, e dos dias em que isso ia ocorrer... fazia com que muitos tivessem, por exemplo, compromissos com outros amigos, etc., e que ficassem no fundo um pouco frustrados por não poderem ir a esses compromissos... O facto também de terem feito anteriormente um exame de natureza sexual que é intrusivo... o próprio exame tem um carácter de intrusividade... e que não terá deixado, provavelmente - isto é uma suposição minha - boas lembranças naqueles jovens..."


-"Todos estes motivos fizeram com que houvesse algumas condicionantes... Não que invalidassem a recolha de elementos, mas as quais são importantes para se perceber alguns... algumas das questões que depois aparecem. Por exemplo, estes sujeitos não estavam motivados... Imaginem o que é que é um jovem ser de repente submetido a 5 horas de entrevista, dentro das quais se pergunta mais uma vez o que é que lhe aconteceu, quando ele já fez não sei quantas inquirições na Polícia Judiciária ou outras instâncias... de repente tem que repetir tudo novamente, ainda para mais a uma técnica do sexo feminino, o que também não é fácil..."

 


-"Não foi seguido neste caso, não por renúncia da nossa parte, mas porque aquilo que me foi dito a mim é que nós não poderíamos ter acesso a nenhuma peça processual  (Nota: material indispensável segundo a ciência em vigor em todo o mundo) por questões... eu penso que decorrentes da própria investigação, do próprio inquérito que estava a haver na altura, e portanto... ou seja, seria por essa questão que nós não poderíamos ter acesso.


-"Isso foi aquilo que me foi informado pelo meu Director de Serviço. Nós não poderíamos ter, neste caso, acesso às peças processuais. Por outro lado, outra das questões que também não tivemos acesso foi às famílias dos sujeitos, ou mesmo aos outros relatórios sociais, porque esses geralmente estão integrados no processo... mas há as questões da família..." (Nota: idem)

 

 -"Depois, a veracidade. De facto, foi introduzida de forma inadvertida por nós, e isto decorre... porque alguns investigadores, sobretudo em Portugal, fazem o termo... ou seja, a tradução que fazem do termo "credibilidade", utilizam como se fosse veracidade. E isso deu azo a que realmente houvesse aqui alguma confusão, e era bom esclarecer essa confusão. Portanto, veracidade remete para a precisão e a verdade do relato; e isso não é possível avaliar." (Nota: portanto, por um mero erro de tradução, escreve-se que o relato é verdadeiro! E pronto!)

 

"Ministério Público: (...) Nas perícias que a Sra. Dra. fez... há algumas diferenças, mas em todas elas aparece... ou em quase todas elas, na maioria delas - eu já vou referir quais - nas conclusões, aparece este parágrafo: "Assim, sem prejuízo das reservas atrás expressas, somos levados a admitir a veracidade global do relato... com base nos seguintes elementos de ordem clínica e psicométrica...". Portanto, a palavra é também adoptada; o termo "veracidade" também é adoptado e utilizado nas perícias. O que eu peço à Sra. Dra. é então, em função do que está a dizer, como é que isto deve ser lido, como é que isto deve ser interpretado, qual foi o sentido atribuído a esta expressão?

Alexandra Anciães: Não devia estar... O termo "veracidade" não devia estar, de maneira nenhuma, aí escrito. E portanto isso é um erro nosso, um erro da nossa parte, que assumimos. Aquilo que devia estar escrito de qualquer forma teria sido sempre a credibilidade do respectivo relato, nunca a veracidade."

"Depois também não se pode excluir a questão da contaminação pós-evento, ou seja, tudo aquilo que eles possam ter ouvido depois disso... até porque é um caso bastante mediatizado, falado publicamente, e portanto não se pode nunca retirar esse efeito. Há sempre a possibilidade de contaminação dos acontecimentos e de inclusão até de outras coisas que não tenham sido vivenciadas."


É portanto notória a evolução da Drª Alexandra Anciães. E é de louvar que, em função dessa evolução, ela reconheceu a fragilidade (nulidade) das partes mais importantes do seu relatório: jamais poderia ter escrito VERACIDADE, podia ter havido CONTAMINAÇÃO, nunca teve ACESSO ÀS PEÇAS PROCESSUAIS nem AOS ELEMENTOS FAMILIARES. E, digo eu, nem aos PROCESSOS INDIVIDUAIS da CASA PIA.


Aliás, veja, clicando aqui, o que disse o Professor Costa Santos (alto quadro do IML, hoje Director da delegação de Lisboa)  também em Tribunal, sobre esta matéria.

 

Leia também, clicando aqui, o que disse o Professor Pio Abreu, de Coimbra, eminente Psiquiatra com projecção internacional.

***

Vejamos agora o que a Drª Alexandra Anciães respondeu ao Dr. Sá Fernandes. Mas como preambulo comecemos com as conclusões das suas perícias:

  1. Ausência de psicopatologia grave ou de perturbação da personalidade caracterizada pela tendência à fabulação ou à fantasia ou que, de algum modo, interfira na capacidade de avaliação e adequação à realidade;
  1. Inexistência de perturbações do pensamento, percepção, memória e juízo critico a par de uma eficiência intelectual e cognitiva situada ao nível normal médio;
  1. Coerência e consistência das descrições, onde não se detectam erros grosseiros, nem elementos que possam ser interpretados como factores de simulação ou de dissimulação;
  2. Aparente autenticidade das emoções que acompanham os relatos, que lhe conferem a dimensão de experiências vivenciadas.

  

Estas conclusões são comuns (copy/paste) a praticamente todos os relatórios da Dr.ª Alexandra Anciães.

 

Em Julgamento, instada por Sá Fernandes:

Dr. Sá Fernandes - E a pergunta que eu faço à Sra. Dra. é se, quando fez estas avaliações, limitou-se a cometer aqui assim um erro terminológico, e onde pôs ali "veracidade" queria pôr "credibilidade"; ou se, pelo contrário, não tinha noção de que eram duas realidades distintas...?

Dra. Alexandra Anciães - Não, tinha... Tinha, tinha noção... São duas realidades distintas e, portanto, foi um erro meu mesmo... em termos de terminologia. Não devia ter sido feito de forma nenhuma, foi um erro.

Dr. Sá Fernandes - Um erro meramente terminológico?

Dra. Alexandra Anciães - Sim.


(...)

Dr. Sá Fernandes - Por outro lado, também é naturalmente muito importante a consciência do erro de que, quando utilizou a palavra "veracidade" nos relatórios, utilizou-a inadvertidamente e, portanto, se fosse hoje não a teria escrito...

Dra. Alexandra Anciães - Exacto.

Dr. Sá Fernandes - Quando se refere à credibilidade, refere-se a uma coerência global dos relatos que lhe fizeram...? Quando se refere à credibilidade destas pessoas...

Dra. Alexandra Anciães - Não das pessoas, Sr. Dr.

Dr. Sá Fernandes - Então...

Dra. Alexandra Anciães - Não das pessoas. Eu nunca... Eu não estou a credibilizar as pessoas. Eu estou a credibilizar o relato, e o relato individual de cada um numa primeira instância.

Dr. Sá Fernandes - Quando se refere à credibilidade do relato, quer-se referir à credibilidade global do relato...?

Dra. Alexandra Anciães - Exacto.

Dr. Sá Fernandes - Ou seja, não está a emitir nenhum juízo de valor sobre se aquelas pessoas em concreto que estão ali identificadas foram efectivamente, ou não foram, abusadores destes rapazes?

Dra. Alexandra Anciães - Exacto.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Não é isso... A Sra. Dra. já tinha feito alguma perícia de personalidade, para um processo criminal, relativamente a vítimas de abusos sexuais?

Dra. Alexandra Anciães - Perícias sobre personalidade para processo criminal, já tinha.

Dr. Sá Fernandes - Para vítimas de abusos sexuais?

Dra. Alexandra Anciães - Para vítimas de abusos sexuais, não tinha. Nem eu, nem acho que quase ninguém em Portugal, porque antes deste processo existiam poucos pedidos vindos exactamente do sistema judicial.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Sra. Dra., eu só quero saber o seguinte. Questionou-se? Colocou aos seus superiores... dizendo: "Não, acho que é melhor virem outras pessoas; ou mais pessoas. Eu sozinha não"? Se a Sra. Dra. os fez é porque acabou por entender que estava em condições de os poder fazer, como é evidente; senão não os tinha feito. Mas antes de os ter feito, quando lhe é pedido isto... A pergunta que eu lhe ponho é esta: não questionou os seus superiores, e disse: "Neste contexto todo, não é melhor termos mais tempo, pedirmos mais pessoas, pedirmos outras colaborações...?" Questionou ou não questionou? 

Dra. Alexandra Anciães - Questionei. Sem dúvida.

Dr. Sá Fernandes - Quem é que questionou?

Dra. Alexandra Anciães - Na altura questionei o meu Director de Serviço.

 

(...)

Dra. Alexandra Anciães - A resposta que eu tive do meu Director é que teriam que ser feitas efectivamente por mim... E logo aí eu coloquei a questão da nuance dos 16 anos, e eu recusei-me mesmo a fazer as perícias a menores de 16 anos... E ele disse-me que tinham que ser efectivamente feitas por mim, porque não havia no exterior... - como é que eu hei-de dizer isto? - não havia... podia haver... digamos, podiam não ser isentas as perícias feitas no exterior, exactamente pela mediatização do processo, e, digamos, pelo facto de serem vários arguidos, de conhecerem várias pessoas em vários locais... Portanto, digamos que para haver uma maior imparcialidade e objectividade neste processo, seria mais indicado serem feitas internamente. E sendo feitas internamente, a pessoa mais indicada para as fazer era eu. Pelo menos foi isto que me foi referido...

 

(...)

Dra. Alexandra Anciães - Não foi seguido neste caso, não por renúncia da nossa parte, mas porque aquilo que me foi dito a mim é que nós não poderíamos ter acesso a nenhuma peça processual, por questões... eu penso que decorrentes da própria investigação, do próprio inquérito que estava a haver na altura, e portanto... ou seja, seria por essa questão que nós não poderíamos ter acesso. Isso foi aquilo que me foi informado pelo meu Director de Serviço. Nós não poderíamos ter, neste caso, acesso às peças processuais. Por outro lado, outra das questões que também não tivemos acesso foi às famílias dos sujeitos, ou mesmo aos outros relatórios sociais, porque esses geralmente estão integrados no processo... mas há as questões da família...

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Portanto, podia saber, ou podia ter avaliado, quando fez aquelas avaliações... ter carreado elementos concretos para as avaliações que fez sobre a possibilidade ou não de a exposição mediática destes homens, prévia à sua avaliação, ter influenciado aquilo que eles lhe disseram.  

Dra. Alexandra Anciães - É que isso não é possível de avaliar, Sr. Dr.. É assim... Nós... coloca-se sempre essa hipótese. Agora, como é que se pode avaliar se essa exposição mediática influenciou ou não? Para isso teria que ser feita uma avaliação dos depoimentos que eles fizeram na Polícia Judiciária antes da mediatização, e depois aqueles que eles fizeram posteriormente, nomeadamente ao nível do exame pericial. Portanto eu não tenho condições, na altura em que os faço, de avaliar... Não é que eu não me tenha interrogado! Claro que interroguei, até porque nós ligávamos a televisão e em qualquer canal, a qualquer hora, o caso era falado! Agora o que não temos é uma forma objectiva de o avaliar!...

Dr. Sá Fernandes - Quer dizer que a Sra. Dra. teria que ter visto os processos da Polícia Judiciária para...?

Dra. Alexandra Anciães - Por exemplo... sim; para avaliar essa questão sim.

Dr. Sá Fernandes - Mas isso então era mais uma razão para a Sra. Dra. ter insistido, junto de quem lhe pediu os relatórios, que não estava em condições de poder produzir aqueles relatórios sem ver, sem ter acesso àquilo que, nos outros casos todos que a Sra. Dra. fez, tinha!

Dra. Alexandra Anciães - Sr. Dr., a questão da insistência é muito engraçada porque não é bem assim que as coisas se passam...! Ainda agora há pouco tempo tive um caso que estou a ver um sujeito já por duas vezes... um homicídio... um homicídio violento... estou farta de insistir com o MP que preciso de ter o processo, porque sem o processo, eles fazem uma série de quesitos e eu não posso responder, porque nem sequer sei o que é que o sujeito fez... soube através de uma tradutora... e o MP neste caso, por exemplo, continua a insistir que é muito complicado, é muito complicado, é muito complicado...! E isto é o dia-a-dia!


Nota: o Ministério Público, para as perícias, ambas físicas e psicológicas, nega o acesso às peças processuais indispensáveis para os peritos poderem fazer um trabalho decente. Entretanto, na Comunicação Social são publicadas parcialmente essas mesmas peças, de forma seleccionada cirurgicamente, orientando a opinião pública no sentido que mais convém à Acusação!

(...)

Dr. Sá Fernandes - Quanto à questão mediática...?

Dra. Alexandra Anciães - Não tenho maneiras de avaliar isso; como é que eu avalio? Já referi ainda há bocado...

Dr. Sá Fernandes - Só se tivesse tido os relatórios anteriores...

Dra. Alexandra Anciães - Exactamente. Depois ainda há a questão dos cuidadores; dos Pais, dos familiares, etc. Um dos motivos por que não foram feitas entrevistas com os cuidadores foi exactamente pelo facto de eles dizerem que os cuidadores não sabiam das questões. Portanto, não houve... Ao não saberem, não há uma troca de informação; não há uma possibilidade de sugestão. Portanto, foram colocadas estas hipóteses. É claro que se calhar, se me perguntar - e se calhar foi isso que me perguntou - se devia constar do relatório essa exclusão de hipóteses, se calhar devia.

Dr. Sá Fernandes - Se calhar... ou devia?

Dra. Alexandra Anciães - Se calhar devia. Ou devia, pronto, posso assumir que devia. Não está. Mas não quer dizer que não tenha sido feita.

Dr. Sá Fernandes - Foi feita em relação aos pares. Relativamente...

Dra. Alexandra Anciães - Em relação aos pares, em relação aos cuidadores...

Dr. Sá Fernandes - Relativamente à comunicação social, não podia.

Dra. Alexandra Anciães - Não é possível avaliar.

Dr. Sá Fernandes - Podia ter cá escrito: "Não podemos saber se isto é o resultado da mediatização ou não". Podia ter cá escrito isso?

Dra. Alexandra Anciães - Podia.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Portanto, se a Sra. Dra. tivesse tido estes elementos, estaria em condições de produzir um relatório que em teoria seria mais completo, mais exaustivo, mais rigoroso?

Dra. Alexandra Anciães - Certo.

Dr. Sá Fernandes - A única razão pela qual não se socorreu desses elementos foi porque não teve tempo e porque eles não lhe foram facultados?

Dra. Alexandra Anciães - Exacto. Porque não foram facultados... não. A questão do tempo... se me fossem facultados, poderia não ter tempo para ver tudo...

Dr. Sá Fernandes - Por outro lado - a Sra. Dra. já disse aqui - aquilo que aqueles rapazes disseram pode ser tudo verdade, "tim-tim por tim-tim", como pode ter acontecido que eles tenham trocado o nome dos abusadores por outras pessoas... Sim, não é?

Dra. Alexandra Anciães - Sim.

 

(...)

Dra. Alexandra Anciães - Sim, podia. Em termos dos Pais podia ser feito, e foi feito; em termos das polícias... é assim, não tenho meio de avaliar como é que eles fazem as entrevistas, portanto... eu penso que eles seguem os protocolos... A Polícia Judiciária seguirá os protocolos... (Ver artigo sobre Procedimentos. Esta mais uma razão para os incluir no êmbito da Perícias Psicológicas)

Dr. Sá Fernandes - Quais protocolos?

Dra. Alexandra Anciães - Os protocolos que existem em termos de interrogatório das testemunhas, de modo a que não hajam questões sugestivas, questões repetidas,  por aí fora.

Dr. Sá Fernandes - Mas esses protocolos existem onde, Sra. Dra.?

Dra. Alexandra Anciães - Existem pelo menos na literatura.

Dr. Sá Fernandes - E a Sra. Dra. sabe se a Polícia conhecia essa literatura?

Dra. Alexandra Anciães - Não. Mas presumo que tenha. Isso seria colocar em causa todas as instituições, Sr. Dr. Isso seria eu avaliar... Então nesse caso também teria que avaliar se a Polícia Judiciária também fez um bom reconhecimento ou não dos sujeitos... Isso não compete à perícia, de maneira nenhuma! Isso compete depois ao Tribunal reunir esses elementos, ouvidas as pessoas em concreto.

Dr. Sá Fernandes - Mas a Sra. Dra. partiu do princípio de que a Polícia tinha seguido esses protocolos, e que os conhecia?

Dra. Alexandra Anciães - Claro. E cabe ao Tribunal depois fazer uma avaliação... quando questiona a Polícia Judiciária, e ver se seguem os protocolos ou não. Não me cabe a mim, como perita - neste caso em concreto, e tendo o objecto de perícia a personalidade e a capacidade e a credibilidade - fazer uma avaliação desse tipo. Não sou investigadora policial!...

Já aqui publiquei e repito, para ajudar a memória: em Tribunal, Dias André disse que foi seguido o Manual da APAV mas Rosa Mota disse que foi seguido o Manual da Interpol. Este, não é um Manual tão pouco. Só que, todos os inspectores foram peremptórios que não seguiram Manual nenhum e nem conheciam a existência do Manual da APAV. Dias André e Rosa Mota mentiram! (Ver artigo "Procedimentos")

 

(...)

Dra. Alexandra Anciães - Sim, aquilo que se averiguou, depois no contexto da entrevista, é que a denúncia nunca partiu dos miúdos. Portanto, os miúdos não denunciaram voluntariamente a situação, ou seja, não foram num momento qualquer das suas vidas dirigir-se à Polícia, ao MP ou a alguém para fazer a denúncia.

 

(...)

Dra. Alexandra Anciães - (...) Depois também não se pode excluir a questão da contaminação pós-evento, ou seja, tudo aquilo que eles possam ter ouvido depois disso... até porque é um caso bastante mediatizado, falado publicamente, e portanto não se pode nunca retirar esse efeito. Há sempre a possibilidade de contaminação dos acontecimentos e de inclusão até de outras coisas que não tenham sido vivenciadas.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - (...) A Sra. Dra. admite ou não admite que, quando estes rapazes nas descrições que fizeram colocam estas pessoas e não outras, podem ter sido objecto de sugestão, de contaminação, de influências várias?...

Dra. Alexandra Anciães - Eu não sei quando é que eles fizeram os depoimentos, se foi antes ou depois da exposição mediática. Isso era importante avaliar, porque quando começa a haver uma exposição mediática e os arguidos começam a ser expostos, é porque já houve alguma denúncia para que eles fossem de alguma forma indicados...

Dr. Sá Fernandes - Sra. Dra., vamos caminhar para hipóteses: denunciaram-nos depois da exposição mediática.

Dra. Alexandra Anciães - Então aí pode haver influências, claro; sem dúvida nenhuma.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Sra. Dra., pronto... Fica-lhe bem...! Olhe, Sra. Dra., diga-me outra coisa. O Francisco Guerra tem ou não tem traços de personalidade "borderline"?

Dra. Alexandra Anciães - Tem.

Dr. Sá Fernandes - E onde é que isso é referido no relatório?

Dra. Alexandra Anciães - Isso é referido ao longo da descrição da personalidade.

Dr. Sá Fernandes - Mas onde é que é dito que ele tem traços "borderline"?

Dra. Alexandra Anciães - Pode não ter sido dito, mas é referido os vários... digamos, os vários... as várias características que formam traços "borderline", e quando fui inquirida a 31 de Março referi isso.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Sra. Dra., e outros traços de outras perturbações que a Sra. Dra. também tenha...?

Dra. Alexandra Anciães - Sim... Tem características narcísicas e anti-sociais também.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Eu percebo... Admito que se possa entender que há aqui alguma... implicitamente... ainda que não expressamente... Sra. Dra., diga-me uma coisa. Falou de traços borderline, de traços de personalidade anti-social e traços de personalidade narcísica. Que perturbação é que é essa, a perturbação narcísica? Como é que...? Também está descrita no DSM...?

Dra. Alexandra Anciães - Está. Eu posso dizer... só um segundo... Portanto, é um padrão global de grandiosidade; é a fantasia ao comportamento; necessidade de admiração e ausência de empatia, com começo no início da idade adulta e presente numa variedade de contextos... entre os quais sentimentos de grandiosidade, de auto-importância; preocupação com fantasias de êxito ilimitado: poder, brilhantismo, beleza ou amor ideal; crença de que se é especial e único e que, por isso, só se pode ser compreendido por, ou estar associado com pessoas ou instituições especiais e de elevado estatuto; necessidade de admiração excessiva; sentimentos de ser reverenciado, por exemplo, expectativas não razoáveis de tratamento especial... especialmente favorável ou adesão automática ao que espera; tirar partido dos outros, por exemplo, utilizar os outros para atingir os seus próprios fins; ausência de empatia; inveja; demonstrações de arrogância em comportamentos, etc.

Dr. Sá Fernandes - Sim senhora. E como é que isso se reflecte no relatório... Como é que isso está reflectido no relatório que a Sra. Dra. fez?

Dra. Alexandra Anciães - Aliás esses, por acaso, estão referidos mesmo como traços narcísicos...

Dr. Sá Fernandes - Onde...?

Dra. Alexandra Anciães - Porque estes, eu acho que é aqueles que se salientam mais, mesmo no Francisco...

 

(Sobre JPL)


Dr. Sá Fernandes - ...Sendo certo que a personalidade "borderline" é já de si uma perturbação... Era assim que eu lia, mas se calhar estou a ler mal... Portanto, quer dizer, pode-se ter uma personalidade "borderline" e não se ter uma perturbação da personalidade "borderline"...?!

Dra. Alexandra Anciães - Se não estiver desadaptado, não tem.

Juíza Presidente - Se não estiver...?

Dra. Alexandra Anciães - Desadaptado; se não houver uma desadaptação.

Dr. Sá Fernandes - Então diga lá, este senhor tem a perturbação da personalidade ou não tem?

Dra. Alexandra Anciães - Deixe-me ver, Sr. Dr.

Dr. Sá Fernandes - Então respondia só a essa pergunta e a seguir, Sra. Dra., podíamos fazer um pequeno intervalo.  Portanto, a pergunta é se tem... se além da personalidade, que a Sra. Dra. já disse que tinha, se tem uma perturbação da personalidade; coisa que eu julgava que era a mesma coisa, mas pelos vistos não é!...

Dra. Alexandra Anciães - Sim, podemos considerar que sim, que existe uma perturbação da personalidade estado-limite.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Tudo é possível... E a Sr. Dra. não tem elementos... até porque fez estes relatórios com a falta de elementos... não tem elementos para explicar porque é que ele omitiu a referência ao Mike...?

Dra. Alexandra Anciães - Não, não tenho.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Oh Sra. Dra., e não pode ser também porque, entre Março... 10 de Março, e Julho de 2003, ele passou a ver na comunicação social, nas conversas com os amigos, nas conversas com a Polícia, no frufru que se gerou à volta disto... a ideia de que o Sr. Carlos Cruz também estava em Elvas, e o Paulo Pedroso estava em Elvas... e então foi preciso lá pôr... No processo mental que eu desconheço, ele pôs... teve que lá pôr, o Carlos Cruz... Isto também não é uma explicação?...

Dra. Alexandra Anciães - Também pode ser.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - (...) Já vimos que... No LM vimos há bocado que ele, ao Dr. Costa Santos, disse que só via caras; à Sra. Dra. pôs lá o Carlos Cruz... Aqui no LD, ele põe o Carlos Cruz... não põe o Carlos Cruz; aqui em Tribunal pôs... Estas dessincronias não lhe suscitam nenhuma dúvida?...

Juíza Presidente - Para a sua avaliação...

Dr. Sá Fernandes - Na sua avaliação...

Juíza Presidente - Para a que fez na altura...

Dra. Alexandra Anciães - Eu, na altura, fiz uma avaliação...

Dr. Sá Fernandes - Não, mas agora... com esta informação...

Juíza Presidente - Não...! Para a sua avaliação do que fez... Agora eu utilizei mal as palavras... do que fez na altura...

Dra. Alexandra Anciães - É assim... Se não incluiu o Sr. Carlos Cruz, e se o incluiu agora, provavelmente... ou alguma referência que ele não se lembrava na altura em que me referiu; ou não quis referi-la deliberadamente e referiu posteriormente... Não sei, Sr. Dr., eu não posso avaliar isso...

Dr. Sá Fernandes - Ou está a mentir!?...

Dra. Alexandra Anciães - Pode estar, Sr. Dr.

 

(...)

Dr. Sá Fernandes - Mas põe a hipótese...? Uma das hipóteses que tem que pôr é de ele estar a mentir...?

Dra. Alexandra Anciães - Quando nós fazemos uma avaliação da credibilidade pomos todas as hipóteses. São várias. Desde que a pessoa está a falar a verdade, mas que substituiu o abusador por outra pessoa - portanto, o relato é credível mas substitui-se o abusador por outra pessoa -; o relato é na sua globalidade credível, mas tem partes que não são... portanto, que já foram acrescentadas posteriormente, por exemplo; a influência de alguém... o facto de ter sido influenciado por alguém; o facto, por exemplo, de haver uma motivação por vingança é outra das questões; são várias... Motivos de vingança, benefícios pessoais... também para ajudar alguém, ou para proteger alguém... Portanto nós, quando fazemos uma avaliação da credibilidade, temos que ter sempre estas questões todas presentes.

Dr. Sá Fernandes - Portanto, perante uma situação destas como eu descrevi, a Sra. Dra. tinha que equacionar estas várias...?

Dra. Alexandra Anciães - Claro.

Dr. Sá Fernandes - ...Teria que equacionar estas várias hipóteses?

Dra. Alexandra Anciães - Antes de...

Dr. Sá Fernandes - Antes de concluir... Podia ser porque tinha trocado a pessoa do abusador, podia ser por influência de alguém, podia ser para proteger alguém, podia ser por uma motivação por vingança... enfim, podia ser por um conjunto variadíssimo de situações...?

Dra. Alexandra Anciães - Exacto.