Questões > 09 - Como prova a sua inocência?

Uma das maiores aberrações deste processo foi a inversão de papéis entre a acusação e a defesa: neste julgamento coube à defesa fazer a prova da sua inocência. O tribunal e a opinião pública condicionados pela comunicação social, partiu sempre do pressuposto que os rapazes falavam a verdade.

Recordo que só tivemos acesso ao processo 11 meses após a minha detenção. Durante esse tempo começámos, eu e a minha família, a reunir provas documentais dos últimos 5 anos da minha vida. Fizemos pedidos de informação à Via Verde, à operadora telefónica (descobrimos o BTS – que é o registo do ponto de antena do telemóvel), à SIBS que é a entidade reguladora dos movimentos bancários, recorremos a agendas, registos de imprensa, registos de facturas, etc.

Após 15 meses tínhamos boa parte da documentação reunida. Relembro que até essa altura não sabíamos nada da acusação, nem datas, nem locais, nada. Por isso a quantidade de informação com que lidamos era enorme - cada ano tem 365 dias e cada dia tem vários eventos – chamadas efectuadas e recebidas, passagens de vias verde, pagamentos visa e Multibanco, eventos onde estive presente, etc. Por isso decidimos informatizar e sistematizar a informação. Reunimos tudo isto para mais ou menos 5 anos.

Ter acesso ao processo foi um choque – o processo já levava nessa altura muitos volumes (em média cada volume tem 200 páginas e vários apensos). Foi nessa altura que tivemos acesso aos testemunhos dos assistentes. Foi aí que percebemos a monstruosidade em que me haviam colocado. É difícil fazer a distinção entre incompetência, estupidez ou má fé.

Por exemplo, existe um serviço chamado NAT (Núcleo de Apoio Técnico) que faz análise de dados e relatórios para o Ministério Público. Vi esses dossiers e fiquei de boca aberta. Fui interrogado pelo Procurador com base nesses relatórios. Mas apenas até ao momento em que a própria Juíza presidente afirmou que o NAT não era de confiança: faltavam imensos dados sobre os meus cartões de crédito; faltavam indicações de chamadas telefónicas e, quanto à Via Verde, chegou ao ponto de descrever uma situação em que eu teria metido combustível no meu carro depois de passar uma Via Verde sendo que o posto de abastecimento é antes. Isto é: de acordo com o NAT eu teria andado de marcha-atrás na Auto-estrada para o Algarve! Analisados os documentos oficiais da Via Verde e do SIBS constatou-se que o NAT tinha trocado as horas!

Após termos reunido os meus Álibis passamos a tentar identificar através dos BTS e da análise de outros registos (i.e. via-verde, registo de saídas e entradas dos automóveis dos veículos da Casa Pia, livro de ocorrências dos lares da Casa Pia, livros de pontos dos assistentes, etc) para tentar identificar onde estavam os restantes intervenientes - neste caso os meus co-arguidos e os assistentes - nas datas apontadas pela acusação.

Descobrimos que no processo existiam as localizações de chamadas do Carlos Silvino – como para o Ministério Publico era ele que fazia sempre o transporte dos assistentes este dado revelou-se importante.

Descobrimos também que no processo não constam as listagens telefónicas dos assistentes durante os períodos da acusação – apenas a de JPL, uma das principais testemunhas da acusação.

Nas alegações que apresentamos em Tribunal casamos estas informações com as declarações dos assistentes, com a análise das perícias que foram feitas a mim e aos assistentes, com o relato de inúmeras pessoas de Elvas (ouvimos a maioria dos policias da esquadra da PSP de Elvas, vizinhos, proprietários de cafés, moradores, etc), com o relato de várias pessoas relacionadas com o edifício das Forças Armadas (vizinhos, proprietário do café da esquina, dono e funcionários da empresa que opera nos rés de chão, etc), com o relato de pessoas relacionadas com o caso de 1982, com pessoas do Teatro Vasco Santana, etc.

NADA, repito nada se coaduna com a descrição dos factos relatados pelos assistentes nem pela a Acusação.

O Dr. Ricardo Sá Fernandes apresentou as alegações finais com o recurso a Power Point e a alguns vídeos durante 3 dias em que ponto por ponto demonstrou o absurdo deste processo. Foram as primeiras alegações finais de defesa feitas desta forma em Portugal. O Ministério Publico pediu a condenação de todos os arguidos baseado na prova (que não especifica) feita em Tribunal.

À margem deste processo foram apreendidas Tapes da PT com a informação da TMN para as datas em questão mas nunca foi feita a sua análise – as Tapes continuam apreendidas. Recordo que este tipo de análises são a principal arma no combate ao terrorismo e outros tipos de crime. Acredito que a resposta de quem contactava estes rapazes e Carlos Silvino possa estar aí.