Processual > Inspector Alcino

A investigação começa no dia 25 de Novembro de 2002 devido a notícias da comunicação social e por decisão da Coordenadora Rosa Mota.

Depara-se com um silêncio absoluto pois ninguém sabia nada de nenhuma Rede de famosos. Chamaram-lhe a conspiração do silêncio. Mas a verdade é que a primeira testemunha a depor neste processo algo similar ao que a comunicação social da altura noticiava foi no dia 16 de Dezembro - 21 dias em que a Investigação esteve sob pressão!

No entanto, a primeira notícia processual sobre alguém relacionada com a dita rede oculta foi no dia 04 de Dezembro de 2002 - 9 dias após, a investigação ter começado. O processo recebe a seguinte informação do Inspector Chefe Dias André:

"O ex aluno, JPL, que esteve no Lar Alfredo Soares (este Lar era um dos locais privilegiados do recrutamento de crianças para satisfação dos pedófilos) foi uma das vítimas sistemáticas do Bibi e seus cúmplices."

Foi assim, sem explicar de onde, como ou quem é que chega à primeira "vítima" da alegada rede.

Sabemos hoje que JPL conhecia já nesta altura vários agentes da Brigada de Investigação Criminal que investigou este processo, de um outro que decorria na mesma altura - o processo de Oeiras. A acusação desse processo saiu dia 18 de Janeiro de 2002 (no mesmo ano que o processo Casa Pia começou).

A equipa de investigação era constituída, pelo menos, pelos Inspectores José Alcino, Fernando Baptista e Cristina Correia que também estiveram na equipa de investigação do Processo Casa Pia.

Duas das principais testemunhas desse processo foram MP e JPL (também duas das principais testemunhas do Processo Casa Pia).

No processo de Oeiras, Michael John Burridge, foi julgado em Março de 2003 e condenado a 34 meses de prisão no dia 26, mas recorreu e foi libertado; e em Julho de 2005 o Supremo Tribunal arquivou o caso por o Artigo 175 do Código Penal ter sido suspenso como discriminatório e anti-constitucional. 

Outro dos acusados, que respondia por dois crimes de actos sexuais com adolescentes e dois de abuso sexual de menores também acabou por ser absolvido quando ficou claro que as alegadas vítimas estavam a mentir. O mesmo aconteceu com outro arguido, este alegadamente angariador.

Foi portanto um resultado menos conseguido para a equipa que investigou esse processo mas parece ter sido uma excelente escola de aprendizagem e de conhecimentos.

O espaço temporal da ocorrencia dos alegados crimes é comum nos dois processos 1999 e 2000 e não deixa de ser curioso o facto de algumas descrições coincidirem com os factos relatados num e depois no outro processo (locais, carros, etc). Só que no processo de Oeiras não existem quaisquer referências aos arguidos do processo Casa Pia.

O Inspector José Alcino era o segundo agente mais experiente na equipa da Policia Judiciária em exclusividade na investigação do Processo Casa Pia. Integrou a equipa desde o início da investigação até Julho de 2003 quando entra em baixa médica.

Entrou nos quadros da Policia Judiciária nos finais de 1997 e até Outubro de 1998 é agente estagiário. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi condecorado em 2010 pelo Ministro da Justiça.

Mas o que faz com que José Alcino seja um investigador fora do comum?

Sabemos hoje através da inquirição dos inspectores da Policia Judiciária que os interrogatórios na fase de Inquérito se processavam em base do um para um, ou seja, um interrogador e um interrogado.

Sabemos também que a responsabilidade de escolher quem ouvia quem, era do Inspector Dias André, segundo a Inspectora Cristina Correia, a escolha era feita da seguinte forma: "tu ouves o Pedro, tu ouves o João, tu ouves o Manuel, pronto, ele decidia assim".

José Alcino foi o interrogador, entre pelo menos outros 12 inspectores e magistrados que também ouviram estes mesmos assistentes, que conseguiu pôr todas as "vítimas" a falar no nome de Carlos Cruz pela primeira vez.

Ora vejamos: três dos assistentes logo no primeiro depoimento (Francisco Guerra, JPL e LM o trio que me colocou em prisão), um assistente no seu segundo depoimento (26 dias após a minha prisão), um assistente no seu 4º depoimento, 69 dias depois de ter sido preso, e finalmente LD pelo qual sou condenado por um crime em Elvas no seu 7º depoimento (177 dias depois de estar preso).

Foi também na companhia de José Alcino e da sua colega Rita Santos que Francisco Guerra identificou o Dr. Hugo Marçal numa pastelaria de Lisboa. José Alcino assinou também o inacreditável auto de reconhecimento de 8 de Janeiro de 2003.

Por falar em reconhecimentos, foi na companhia de José Alcino que os assistentes identificaram os locais dos alegados crimes: LD a 7 de Julho de 2003 nas vésperas do depoimento em que me viria a acusar - dia 22 de Julho, com PP a Elvas no dia 23 de Junho de 2003, com Francisco Guerra nos dias 13 e 14 de Maio de 2003 e também no dia 11 de Fevereiro de 2003 em que faz um reconhecimento à Av. Das Forças Armadas - facto estranho pois na teoria já teria feito o reconhecimento àquele local no dia 8 de Janeiro do mesmo ano, com IM a Elvas no dia 11 de Março de 2003, também com JPL a Elvas a 13 de Fevereiro de 2003 e com LM numa tentativa falhada de identificar o apartamento da Av. das Forças Armadas no dia 3 de Fevereiro de 2003.

Logo após LD falar no meu nome, 7 interrogatórios e 169 dias depois de eu ser preso, José Alcino entra em baixa médica.

Talvez por saudosismo, durante a sua baixa médica, José Alcino chega a contratar Ilídio Marques - um dos assistentes que me acusava após ter sido interrogado por José Alcino - para lhe pintar um quarto. Paga-lhe e em tribunal refere que criou laços de empatia com o assistente.

Quando lhe foi perguntado porque não seguiu os procedimentos dos manuais (neste caso especifico o da APAV) o douto inspector responde:

José Alcino Álvaro Rodrigues - ... acho que está aí, não ... há situações que não, que não, não, não podem, como dizer isto? Esse tipo ... há situações que não, não, não devem ser, não podem ser, portanto, seguidas à regra.

Advogado - E havia alguma razão para não se terem seguido estes procedimentos?

José Alcino Álvaro Rodrigues - A inquirição, por exemplo a gravação de imagens, é, era uma situação ... obrigava a muitas cassetes e depois estar a transcrever, portanto era uma situação muito complicada

Curiosamente é também José Alcino que entrega à grande maioria dos assistentes que me acusam as notificações da PJ de que poderia pedir uma indemnização aos "abusadores".

Neste Processo falou-se várias vezes da possibilidade do dinheiro ter sido determinante para os testemunhos das vítimas. A questão é se estas notificações podem ou não ter gerado na cabeça dos jovens a ideia de que iriam receber muito dinheiro dos arguidos. Depende.

Sobre o seu depoimento o colectivo de Juízes escreve na sentença que me condena:

"A testemunha Inspector José Alcino também, ao longo do seu depoimento, por várias vezes respondeu não se recordar de actos em que, de acordo com os documentos autos constantes dos autos tinha participado.

Resultou do seu depoimento que criou alguma empatia com, pelo menos, um assistente que ouviu em declarações na fase do inquérito - o Assistente Ilídio Marques, pois confirmou o que este Assistente dissera em AJ, que lhe pedira para pintar o quarto do seu filho que ia nascer, pois era a profissão do Ilídio Marques ou a área em que este trabalhava, pagando-lhe o trabalho. Mas também esclareceu que isto ocorreu numa altura em que a testemunha estava de baixa, por ter sido sujeito a uma intervenção cirúrgica e quando voltou a trabalhar já o processo estava noutra fase ou para outra fase.

No entanto, da valoração global do seu depoimento, da atitude de coerência ao longo do seu interrogatório e acima assinalada, da forma como explicou os seus procedimentos, admitiu a necessidade de alteração de alguns e defendeu outros, não resultou para o tribunal que tal ressonância positiva criada pelo menos com o assistente Ilídio Marques - pois se não fosse positiva não o tinha contratado para fazer os trabalhos de pintura em sua casa -, tivesse conduzido a actos da sua parte de viciação de qualquer acto, indução de reconhecimentos positivos quando a testemunha/Assistente estivesse em dúvida quanto a locais, ou indução dos

Assistentes/testemunhas na identificação de qualquer arguido. Isto é, que tivesse posto em causa a sua objectividade como investigador. "

Pode-se então concluir que o facto de não se recordar dos actos em que participou é normal - nomeadamente na investigação mais mediática que este país alguma vez teve e possivelmente terá - que o facto de ter dito por diversas vezes que não se recordava demonstra coerência e que o facto de dar emprego a um dos queixosos também é normal e demonstra a imparcialidade de um investigador profissional.