Processual > Requerimento para o CSM

 

                                                                                              URGENTE

Exmo Senhor

Presidente do Conselho Superior da Magistratura

 

            CARLOS PEREIRA CRUZ, casado, produtor e apresentador de televisão, residente na Quinta da Carolina, lote 4, Amoreira, 2645-625 Alcabideche, arguido no processo nº 1718/02.9JDLSB da 8ª Vara Criminal de Lisboa (conhecido por processo Casa Pia), vem expor e requerer o seguinte:

 

            Na passada 6ª-feira, dia 3 de Setembro, após 20 meses de processo deliberativo, parecia que estavam, finalmente, reunidas as condições para se proceder à leitura do acórdão do processo em apreço.

 

            Na sala de audiência e nas imediações do Tribunal, estavam presentes centenas de jornalistas de dezenas de órgãos de informação, portugueses e estrangeiros.

 

            O Tribunal permitiu a filmagem (com imagem e som) de parte da leitura do acórdão.

 

            Porém - para surpresa de todos -, informou os sujeitos processuais de que não tinha cópia do acórdão para lhes facultar, a qual só estaria disponível na próxima 4ª-feira.

 

            É relativamente frequente que a cópia das sentenças não seja imediatamente facultada aos sujeitos processuais, mas apenas no dia seguinte ou, mesmo, num dos dias seguintes; todavia, naturalmente que isso se verifica em processos em que não ocorre a leitura da sentença em directo para a televisão.

 

            É, pois, incompreensível que - no caso em apreço - o Tribunal não tenha providenciado os meios adequados a garantir a entrega a cada um dos sujeitos processuais de uma cópia do acórdão, no dia da leitura em causa.

 

            Mas algo de mais grave - e verdadeiramente intolerável - aconteceu no passado dia 3 de Setembro.

 

            É que, facultando a lei a possibilidade de ser apenas lida uma súmula da fundamentação da decisão, a verdade é que impõe que essa súmula seja lida, de forma a que o arguido e o público tenham conhecimento da razão de ser da sentença.

 

            Uma súmula pode ser mais ou menos extensa, mais ou menos detalhada, mas há-de sempre compreender uma referência mínima aos fundamentos concretos da condenação de cada arguido.

 

10º

            Ora - no caso em pauta, como o Conselho pode verificar através de requisição da gravação da audiência, que foi efectuada -, quanto ao ora Requerente, não foi lida, nem dita, qualquer referência quanto aos concretos fundamentos que determinaram a sua condenação a sete anos de prisão efectiva, por três crimes de abuso sexual de menores, dois supostamente praticados numa casa da Av. das Forças Armadas e um outro numa casa em Elvas, locais onde, de resto, o arguido nunca esteve, como sempre sustentou.

 

11º

            O Tribunal bastou-se com a leitura de algumas considerações genéricas - e, de resto, muito superficiais - acerca de aspectos parcelares do processo, omitindo qualquer referência aos fundamentos da condenação do ora Requerente (como, aliás, dos outros arguidos).

 

12º

            Os juizes do Tribunal leram - perante as câmaras da televisão - a descrição (naturalmente sórdida) de supostos actos sexuais por si praticados, mas, quanto ao fundamento da sua condenação, disseram-lhe que só na 4ª-feira seguinte é que a podiam facultar, apesar da arguição de nulidade e protesto do ora signatário.

 

13º

            Condenado urbi et orbi como pedófilo, num quadro de um gigantesco "circo mediático" montado para celebrar a condenação, o arguido nem pode defender-se, contrariando os fundamentos que ditaram tal condenação, porque pura e simplesmente não a conhece, apenas se pode exercitar em tentar adivinhá-la.

 

14º

            Em 30 anos de advocacia, o advogado signatário nunca assistiu a nada assim, bem sabendo que não é essa a prática habitual e consagrada nos tribunais portugueses, para os quais a leitura pública da sentença é um instrumento de garantia contra a manipulação de uma justiça de gabinete e um meio de controlo da justiça pelo povo.

 

15º

            No Estado Novo, mesmo nos tribunais plenários, regia o Código de 1929, que impunha a leitura integral da sentença.

 

16º

            A garantia da leitura dos fundamentos da decisão judicial é uma decorrência do princípio da publicidade da justiça, sendo uma conquista do Estado constitucional em reacção contra o secretismo da justiça do Estado do "antigo regime".

 

17º

            O que se passou na passada 6ª feira é um retrocesso jurídico e civilizacional, que nos envergonha a todos, como há-de ser reconhecido quando "a poeira assentar".

 

18º

            Esta exposição não visa qualquer acção disciplinar contra os senhores magistrados, antes se colocando num patamar superior de luta pela defesa do Estado de Direito em Portugal.

 

 

19º

            Pelo exposto, requer-se que o Conselho Superior da Magistratura - ao abrigo da sua competência para se pronunciar, emitir parecer e propor medidas sobre matérias relativas à administração da justiça, em ordem a garantir a transparência do seu funcionamento, princípio que já levou o Conselho Superior a emitir comunicados acerca do processo Casa Pia, designadamente acerca do conteúdo da sentença lida -, tome posição, emita parecer ou sugira as providências adequadas ao aperfeiçoamento do sistema de leitura de sentenças penais, particularmente em processos de forte repercussão pública em que a mediatização é inevitável, de forma a assegurar a exigência constitucional da publicidade da justiça.

 

20º

            Requer-se que essa posição seja tomada com urgência, de maneira a garantir que não mais possa ocorrer em Portugal um episódio como o que vai descrito.

 

O Advogado,

com procuração junta aos autos acima identificados

 

RICARDO SÁ FERNANDES

                                                                            ADVOGADO