Relembro aqui uma passagem do meu livro "Preso 374" (Oficina do Livro) onde refiro o despacho do Juiz Rui Teixeira que me manteve em prisão já no terceiro recurso. Trata-se do despacho daquela célebre noite em que o Juiz entrou e saiu numa carrinha com os vidros tapados, lembram-se?

Escrevi então:

"O despacho abre com toda uma teorização sobre prova e indício, numa tentativa, lendo-a com cuidado, de autojustificação. Mesmo assim vale a pena citar  o Meritíssimo Juiz:

"Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva: devem ser independentes e concordantes entre si"(pag 11 do despacho)

Bastava este parágrafo e a expressão "concordantes entre si" para arrasar aquilo a que querem chamar de indícios fortes, fracos ou assim-assim. Qualquer análise, a mais simples possível, denuncia, mesmo numa leitura ligeira, todo um conjunto de contradições da única "prova" com que conta o MºPº: os testemunhos. Independentes, não, infelizmente, como já se viu. Concordantes entre si, nada!

Mais estranho ainda: na pág. 20, o Meritíssimo já escreve coisa oposta:

Estranha o arguido que os depoimentos não sejam coincidentes. Ainda bem que o não são, diz este Tribunal. Se fossem perfeitos, se fossem idênticos, o arguido estaria já solto, melhor, nunca teria sido sequer preso preventivamente tão evidente seria a falsidade do depoimento". Reconhece o senhor Magistrado que os depoimentos não são coincidentes e que ainda bem que o não são. Mas na página 12 diz exactamente o contrário: Os relatos das testemunhas são coincidentes quanto às circunstâncias de modo, tempo e lugar em que os factos ocorreram.

Alguém me quer explicar? Já quanto ao raciocínio, o mesmo Dr. Juiz cita o Prof. Germano Marques da Silva para lembrar que:

"Há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência." (pág. 11 do despacho)

Reproduzo esta citação porque, aplicada ao caso concreto dos teimosamente chamados indícios e das minhas provas, seria mais do que suficiente para fazer ruir toda a teoria acusatória. Ou então, aos 62 anos de idade, perdi a noção de lógica, experiência e conhecimento científico. Enlouqueci ou estou no início do processo de Alzheimer!

O Dr. Rui Teixeira afirma também:

"Assim está por demonstrar que "Tais jovens ou mentem deliberadamente ou foram induzidos a mentir ou foram enganados ou estão equivocados ou reproduziram falsas memórias." (pág. 12 do despacho)

Mais uma afirmação bastante curiosa. Porque é o mesmo Dr. Juiz que, três páginas antes lembra, e bem, que

É consabido que é ao Estado que cumpre fazer a prova da culpa criminal dos cidadãos e não o contrário"

Ora, o mais elementar raciocínio leva-nos, consequentes com essa obrigação, a afirmar que o que está por demonstrar é que tais jovens estejam a falar verdade. E é essa demonstração que não está feita, nem nunca poderá vir a estar. E que compete ao Estado. Porque, de facto, "tais jovens mentem deliberadamente ou foram induzidos a mentir ou foram enganados ou estão equivocados ou reproduziram falsas memórias."  E a conclusão é inevitável, exactamente como afirma o Prof. Marques da Silva, pelas  regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos.

Na pág. 15 do despacho, em resposta à contradição insanável entre dois depoimentos da mesma testemunha, um à PJ e outro no Instituto Nacional de Medicina Legal, o Meritíssimo afirma:

"... dever-se-á atender que a entrevista prestada no INML não pode ser valorada enquanto depoimento pois que se desconhece a forma como a mesma foi obtida e as particulares condições em que o foi."

Três páginas antes escreve:

"As perícias à personalidade [realizadas no INML!] credibilizam o relato das testemunhas."

E uma página à frente pergunta (trata-se sempre do mesmo Juiz!):

"E esta (e as demais testemunhas) são tão maquiavélicas que enganaram médicos do INML, manipularam e confundiram os testes e os exames a que se submeteram?

Em que ficamos? Não é o próprio magistrado que o sugere?  O INML é bom quando serve para me acusar e é mau quando me iliba? Mais: conhecem-se por acaso a forma como os depoimentos foram obtidos pelos investigadores da PJ e as particulares condições em que o foram? É que no INML, a testemunha afirma que eu não tive qualquer intimidade sexual com ele."