As perícias de Personalidade (cerca de 20) foram mandadas fazer à Dr.ª Alexandra Anciães, psicóloga avençada do Instituto de Medicina Legal. Foram fortemente contestadas pelo Prof. Pio Abreu, num parecer que se encontra no Processo. E deram origem a muitos equívocos principalmente na Comunicação Social e, por isso, na opinião pública.

Foram-lhe negadas as declarações que as vítimas tinham prestado à PJ que, de acordo com a literatura científica são fundamentais, bem como os processos individuais. Pediu ajuda que lhe foi negada.

Também aqui nada foi gravado. O que está nos relatórios são "apontamentos" recolhidos durante a perícia(afirmação sua).

O Prof. Félix López Sánchez (Consultor Técnico contratado pela Casa Pia), Professor Catedrático da Universidade de Salamanca,  escreve no seu  livro   La Inocencia Rota, a págs. 109 e 110, : "O  facto das declarações do menor coincidirem com os dados da investigação que o psicólogo conhece de antemão resulta num critério de veracidade. Pelo contrário se em algum aspecto significativo, a criança mudou a sua versão, há que considerar a possibilidade de que esteja a mentir.

Ora as declarações prestadas à PJ, à Juíza de Instrução e em Tribunal revelam exactamente uma série de contradições, muito significativas e muitas completamente insanáveis.

A Drª Alexandra Anciães, honra lhe seja feita, confirma esta importância e também, corajosamente confessa o erro de ter escrito "veracidade" em vez de "credibilidade" e denuncia a recusa de ajuda por parte do seu Director. E foi o termo veracidade que gerou o maior dos equívocos quando as perícias foram conhecidas.

Aqui ficam extractos significativos do seu depoimento.

ALEXANDRA ANCIÃES:  (...) Depois, a veracidade. De facto, foi introduzida de forma inadvertida por nós. (...) Portanto, veracidade remete para a precisão e a verdade do relato; e isso não é possível avaliar. É possível avaliar, eventualmente, pelo Tribunal, que dispõe de outros elementos,

(...)

Portanto, aquilo que nós avaliamos em termos periciais é a credibilidade do relato na sua globalidade, e só daquele. Podemos eventualmente depois - mas isso é outra questão - fazer uma avaliação inter-relatos. Neste caso não foi feita.

(...)

ALEXANDRA ANCIÃES: Não devia estar... O termo "veracidade" não devia estar, de maneira nenhuma, aí escrito. E portanto isso é um erro nosso, um erro da nossa parte, que assumimos.

(...)

ALEXANDRA ANCIÃES: Não foi seguido neste caso, não por renúncia da nossa parte, mas porque aquilo que me foi dito a mim é que nós não poderíamos ter acesso a nenhuma peça processual. (...) Isso foi aquilo que me foi informado pelo meu Director de Serviço. Nós não poderíamos ter, neste caso, acesso às peças processuais.

Por outro lado, outra das questões que também não tivemos acesso foi às famílias dos sujeitos, ou mesmo aos outros relatórios sociais, porque esses geralmente estão integrados no processo... mas há as questões da família...

Não o fizemos por dois motivos. Não contactámos as famílias porque a maior parte dos jovens referiam que as famílias desconheciam a situação de abuso.

(...)

RICARDO SÁ FERNANDES: Portanto, se a Sra. Dra. tivesse tido estes elementos, [outros relatos para poder fazer uma avaliação inter-relato, elementos familiares e sociais dos jovens] estaria em condições de produzir um relatório que em teoria seria mais completo, mais exaustivo, mais rigoroso?

ALEXANDRA ANCIÃES: Certo.

RICARDO SÁ FERNANDES: A única razão pela qual não se socorreu desses elementos foi porque não teve tempo e porque eles não lhe foram facultados?

ALEXANDRA ANCIÃES: Exacto. Porque não foram facultados... não. A questão do tempo... se me fossem facultados, poderia não ter tempo para ver tudo...

RICARDO SÁ FERNANDES: Foram as duas coisas?...

ALEXANDRA ANCIÃES: Foi sobretudo porque não me foram facultados. Porque depois a questão do tempo, aí a responsabilidade seria minha. Agora, foi sobretudo porque não me foram facultados(...)

RICARDO SÁ FERNANDES: Por outro lado, também é naturalmente muito importante a consciência do erro de que, quando utilizou a palavra "veracidade" nos relatórios, utilizou-a inadvertidamente e, portanto, se fosse hoje não a teria escrito...

ALEXANDRA ANCIÃES: Exacto.

RICARDO SÁ FERNANDES: Quando se refere à credibilidade, refere-se a uma coerência global dos relatos que lhe fizeram...? Quando se refere à credibilidade destas pessoas...

ALEXANDRA ANCIÃES: Não das pessoas, Sr. Dr.

RICARDO SÁ FERNANDES: Então...

ALEXANDRA ANCIÃES: Não das pessoas. Eu nunca... Eu não estou a credibilizar as pessoas. Eu estou a credibilizar o relato, e o relato individual de cada um numa primeira instância.  [mais um elemento de equívoco nas notícias divulgadas]

RICARDO SÁ FERNANDES: Quando se refere à credibilidade do relato, quer-se referir à credibilidade global do relato...?

ALEXANDRA ANCIÃES: Exacto.

RICARDO SÁ FERNANDES: Ou seja, não está a emitir nenhum juízo de valor sobre se aquelas pessoas em concreto que estão ali identificadas foram efectivamente, ou não foram, abusadores destes rapazes?

ALEXANDRA ANCIÃES: Exacto.

RICARDO SÁ FERNANDES: Por outro lado, a Sra. Dra. também reconheceu aí outro erro, que é o facto de não ter indicado os critérios - os tais 19 critérios do CBCA - que são os critérios que permitem, já não tratar da veracidade dos detalhes do relato, mas da credibilidade do relato... não os enunciou.

ALEXANDRA ANCIÃES: Não, não os enunciei.

RICARDO SÁ FERNANDES: E hoje reconhece que os devia ter enunciado?

ALEXANDRA ANCIÃES: Exacto.

(...)

RICARDO SÁ FERNANDES: ...A Sra. Dra. já tinha feito alguma perícia de personalidade, para um processo criminal, relativamente a vítimas de abusos sexuais?

ALEXANDRA ANCIÃES: Perícias sobre personalidade para processo criminal, já tinha.

RICARDO SÁ FERNANDES: Para vítimas de abusos sexuais?

ALEXANDRA ANCIÃES -Para vítimas de abusos sexuais, não tinha.

(...)

ALEXANDRA ANCIÃES: Sim, aquilo que se averiguou, depois no contexto da entrevista, é que a denúncia nunca partiu dos miúdos. Portanto, os miúdos não denunciaram voluntariamente a situação, ou seja, não foram num momento qualquer das suas vidas dirigir-se à Polícia, ao MP ou a alguém para fazer a denúncia.

Depois, a maior parte dos sujeitos, como eu já referi, não sabiam àquilo que iam.  Eram muitas vezes retirados pela Polícia Judiciária da cama de manhã - porque foram sempre levados pela Polícia Judiciária, pelo menos que eu tenha tido conhecimento - eram retirados, por exemplo, de manhã da cama, apareciam-me muitas vezes sem pequeno-almoço ou sem almoço... Portanto, imaginem o que é que é nós começarmos entrevistas às 9 da manhã e as crianças ou os jovens não terem tomado o pequeno-almoço... muitas vezes era necessário ali fazermos uma pausa para que os sujeitos fossem tomar o pequeno-almoço ou para almoçarem, para comerem qualquer coisa...

[Assim tratados, os jovens não diriam o que a Polícia queria ouvir?]

 (...)

RICARDO SÁ FERNANDES: ... A pergunta que eu lhe ponho é esta: não questionou os seus superiores, e disse: "Neste contexto todo, não é melhor termos mais tempo, pedirmos mais pessoas, pedirmos outras colaborações...? Questionou ou não questionou? 

ALEXANDRA ANCIÃES: Questionei. Sem dúvida.

RICARDO SÁ FERNANDES: Quem é que questionou?

ALEXANDRA ANCIÃES: Na altura questionei o meu Director de Serviço.

RICARDO SÁ FERNANDES: E que resposta é que obteve?

ALEXANDRA ANCIÃES: Aquilo que eu disse era que provavelmente era um caso complicado, teria que fazer inúmeras entrevistas... Eu nunca pus a questão do abuso sexual ou não, porque eu acho que isso não é muito pertinente. Porque aquilo que foi solicitado foi uma perícia à personalidade, ponto, de acordo com o art.º 160º, 131º, e um quesito suplementar.

É assim... Como eu já expliquei em termos de instrução, eu posso fazer hoje uma perícia no âmbito do abuso sexual, uma perícia a um indivíduo que cometeu um homicídio, logo a seguir a um violador, logo a seguir a um toxicodependente, por aí fora. E portanto...

RICARDO SÁ FERNANDES: Mas é que esta perícia tinha, ainda por cima, esta particularidade. É que, além de ser à personalidade e à capacidade, tinha um item novo, invulgar, que era o de avaliar a credibilidade dos relatos. Ora, relatos de abuso sexual no âmbito de um processo-crime...! A Sra. Dra. nunca tinha feito nenhum! Tinha um mês e meio para os fazer. Não lhe deram os outros relatos, não lhe deram elementos sociais e familiares...!

Eu, enfim, o que acho natural é que a Sra. Dra. tenha questionado o seu Director sobre isso. Agora o que quero saber é que resposta é que teve.

ALEXANDRA ANCIÃES: A resposta que eu tive do meu Director é que teriam que ser feitas efectivamente por mim...

RICARDO SÁ FERNANDES: Quais é que eram, internamente, as outras possibilidades?

ALEXANDRA ANCIÃES: Para fazerem estas perícias?... Na altura, penso que tinha uma colega que as podia ter feito, ou poderiam também ter requisitado pessoas de fora.

RICARDO SÁ FERNANDES: Sra. Dra., mas então quer dizer que nessa altura no IML, ou era a Sra. Dra. ou era a sua colega?

ALEXANDRA ANCIÃES: Mas requisitámos uma pessoa de fora também...

RICARDO SÁ FERNANDES: Mas então se diz que não convinha vir ninguém do exterior...!

ALEXANDRA ANCIÃES: Mas veio. Não era não vir ninguém do exterior, atenção. Era não ser deferida... porque o IML recebe as perícias... os pedidos de perícias do país inteiro, e depois vai distribuí-las aos hospitais e aos centros de psiquiatria forense.

Neste caso concreto, seria melhor serem feitas - pelo menos foi aquilo que me foi transmitido - internamente.

RICARDO SÁ FERNANDES: Não foi ponderado no Hospital Miguel Bombarda, o Hospital de Santa Maria, em Coimbra...? Devia haver com certeza pessoas com muito mais experiência que a Sra. Dra. e, trabalhando em equipa, poderiam apresentar um resultado que tivesse evitado, por exemplo, estes erros que a Sra. Dra., muito honestamente, já reconheceu!... Isso não foi debatido com o seu Director?

ALEXANDRA ANCIÃES: Não.

RICARDO SÁ FERNANDES: Portanto disseram-lhe: "Tem que ser a Sra. Dra....."

(...)

RICARDO SÁ FERNANDES: Sra. Dra., mas quando o Tribunal lhe pediu na credibilidade do relato... é porque esta matéria é uma matéria muito sensível... Havia pessoas que achavam que estes homens eram todos culpados; e havia outras que achavam que eram todos inocentes, e que os outros é que estão a mentir... Portanto, a Sra. Dra. com certeza que teve presente que havia um quadro geral que era susceptível de induzir uma sugestão a estes rapazes... a este rapaz, neste momento, que estamos a falar em concreto.

E o que eu não vejo é que neste relatório... não vejo como é que isso está despistado! Não vejo nada; como é que isso...

ALEXANDRA ANCIÃES: Não era possível... Ou seja, no contexto da mediatização que era feita, não era possível despistar isso. Eu já tinha referido isso hoje, na parte da manhã. Portanto, é assim... O que é que nós fazemos? Que hipóteses é que nós colocamos? Colocamos a influência por parte dos Pais [ou pares?]... portanto, ter sido sugestionado por parte dos Pais ; por parte dos cuidadores; por parte das autoridades... Portanto, vamos colocando "sugestões de sugestionamento" por parte de algumas pessoas.

RICARDO SÁ FERNANDES: E aqui não podia fazer esse trabalho?

ALEXANDRA ANCIÃES: (...) em termos das polícias... é assim, não tenho meio de avaliar como é que eles fazem as entrevistas, portanto... eu penso que eles seguem os protocolos... A Polícia Judiciária seguirá os protocolos...

RICARDO SÁ FERNANDES: Quais protocolos?

ALEXANDRA ANCIÃES: Os protocolos que existem em termos de interrogatório das testemunhas, de modo a que não hajam questões sugestivas, questões repetidas,  por aí fora.

RICARDO SÁ FERNANDES: Mas esses protocolos existem onde, Sra. Dra.?

ALEXANDRA ANCIÃES: Existem pelo menos na literatura.

RICARDO SÁ FERNANDES: E a Sra. Dra. sabe se a Polícia conhecia essa literatura?

ALEXANDRA ANCIÃES: Não. Mas presumo que tenha. Isso seria colocar em causa todas as instituições,(...)

RICARDO SÁ FERNANDES: Mas a Sra. Dra. partiu do princípio de que a Polícia tinha seguido esses protocolos, e que os conhecia?

ALEXANDRA ANCIÃES: Claro. (...)

 

(Soubemos no julgamento que os inspectores não usaram nenhum manual nem os conheciam embora o Inspector Dias André tenha dito que usaram o Manual CORE (da APAV) mas a Drª Rosa Mota disse que tinha sido o Manual da Interpol)