Processual > Junção e Acordo

A Junção

Carlos Silvino foi preso dia 25 de Novembro de 2002 na sequência de uma queixa-crime apresentada por Fábio Cruz (Joel). A acusação desse processo chegou em Abril de 2003. O julgamento foi marcado para o início de Outubro do mesmo ano.

O julgamento que chegou a começar, foi interrompido ao fim de breves minutos por um incidente de recusa do juiz presidente do colectivo, Paulo Pinto de Albuquerque - coadjuvado pelos Juízes Ricardo Cardoso e João Bártolo - interposto pelo advogado de Carlos Silvino, José Maria Martins.

O incidente interposto parece ter sido suscitado com um único objectivo: provocar um adiamento que permitisse conseguir a junção dos dois processos num só julgamento. É que o Código de Processo Penal impedia naquela altura a junção do processo em que Carlos Silvino iria ser julgado na Boa Hora com o processo onde eu me encontrava acusado que estava em fase de Inquérito, ou seja investigação.

O diploma em questão apenas prevê a junção de processos quando eles se "encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento".

O incidente de recusa do Juiz Pinto de Albuquerque foi indeferido pelo Tribunal da Relação, teve a mesma sorte no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas José Maria Martins recorreu ainda para o Tribunal Constitucional (TC) não já relativamente a esta questão - que não suscitava problemas de constitucionalidade - mas relativamente ao pagamento de uma multa imposta pelo STJ.

A junção dos dois processos que era um objectivo que parecia impossível à generalidade da comunidade judicial em Outubro de 2003, com os dois processos em fases tão distintas, acabou por se concretizar no dia 5 de Setembro de 2004.

O Juiz Ricardo Cardoso que entretanto havia substituído o Juiz Paulo Pinto de Albuquerque acabou por despachar essa junção.

Tudo aconteceu na sequência de diligências de José Maria Martins, um antigo polícia, que conquistou o patrocínio da defesa de Carlos Silvino ao advogado Dória Vilar.

O Dr. José Maria Martins foi o quinto advogado de Carlos Silvino. A primeira foi a Dra. Edviges Ribeiro, na altura colega de escritório do Dr. Pedro Namora, seguiu-se o advogado João Santos Carvalho, o Dr. Hugo Marçal, o Dr. Dória Vilar e finalmente o Dr. José Maria Martins coadjuvado pelo Dr. Ramiro Miguel.

 

Contexto para a Junção

A razão para juntar os  processos era a de que trazia grandes vantagens à defesa de Silvino. E beneficiava muito o Ministério Público, no que se refere aos arguidos do segundo processo.

O Ministério Público baseava-se na existência de uma "rede de pedofilia", de cuja existência não tinha (nem nem nunca teve,não tem, nem poderia ter) quaisquer provas.

A solução: juntar os dois processos!

O Ministério Público terá oferecido a Silvino um acordo; e Silvino, em troca, acusava todos os arguidos e  forneceria as "provas" de que o MP precisava para obter as condenações. Só que em Portugal não existem, ao contrário, por exemplo dos Estados Unidos, acordos extra-judiciais. São, pura e simplesmente, ilegais.

São ilegais, por exemplo, porque se  podem criar muito facilmente  condições para provocar   graves erros na aplicação da Justiça. Este perigo é ainda maior nos julgamentos que envolvem vários arguidos mas em que só um deles é culpado.

Nestes casos, não é nada provável   que um  arguido inocente confesse um crime que não cometeu; mas já o culpado pode confessar e ainda, como contrapartida do tal acordo,  acusar o arguido ou arguidos inocentes.

E é disso que se trata no Processo Casa Pia. Compreendem-se, desta forma,os comportamentos de Carlos Silvino, do Ministério Público e, por fim, o discurso do Dr. José Maria Martins.

Finalmente: apesar da ilegalidade de um acordo deste tipo, era já bem claro, logo nos finais de 2003, que Carlos Silvino tinha sido convencido (além de pressionado) de que lhe fora concedido esse acordo ou combinação com o Ministério Público.

E é portanto à luz dessa circunstância que deve ser interpretado tudo o que ele disse, a partir de Setembro de 2003 e durante o Julgamento.

 

O Acordo

O assunto acabou por ser levantado no próprio julgamento. Em 16 de Dezembro de 2008, Martins pediu  pena suspensa para Silvino, afirmando que o Ministério Público tinha prometido que o seu cliente 'teria benefícios especiais se colaborasse e confessasse'. 

No entanto, quando o próprio Silvino se referiu a esse acordo em pleno Tribunal, foi desmentido pelo procurador João Aibéo. Este afirmou que não tinha havido acordo nenhum.

José Maria Martins opôs-se directa e frontalmente ao procurador afirnando perante os Juizes:

Quando disse que não havia um pacto entre o Ministério Público e Carlos Silvino, o procurador João Aibéo cometeu uma 'inverdade'. Digo que existiu um pacto, um acordo, um consenso, chame-lhe o que quiser, mas não venha agora desmentir o arguido. Recuso-me a aceitar que o Ministério Público tenha enganado a defesa de Carlos Silvino.

As implicações das palavras de José Maria Martins são muito graves. Ou seriam, se estivéssemos num verdadeiro Estado de Direito.  Apesar de toda a transparência, lealdade e integridade  do julgamento teem sido minadas, desde  o ínício,  por aquela oferta ou promessa de um acordo, (que levou, evidentemente, Carlos Silvino a acusar todos os arguidos) o colectivo de juízes não aprofundou, não quis aprofundar o assunto, não tomou conhecimento e não tomou qualquer atitude sobre ele.Assobiou para o ar!

Quando Teresa Costa Macedo, encostada à parede e acossada por ex-casapianos, inventa uma rede de pedofilia, essa mentira delirante foi, de uma forma geral, aceite como realidade. E logo aconteceu uma verdadeira lavagem ao cérebro dos portugueses pela divulgação histérica, por alguns jornalistas dessa invenção, saida da estranha mente de Costa Macedo. Com a divulgação deste acordo, o Tribunal ficou, tal como aconteceu desde o início com a Polícia Judiciária e a rede de Costa Macedo, numa posição quase impossível de gerir. E a solução foi fazer-se de surdo. Não quis saber, não indagou, não aprofundou, não investigou. Seguiu em frente.

Este Acordo, que eu acredito firmemente ter sido dado como garantido a Carlos Silvino e ao seu advogado (o Dr. José Maria Martins não se arriscaria a dizer o que disse sem estar seguro), foi mais um, talvez o principal, factor de inquinação de todo o processo.